sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Cap. 48




“A Luciana parece ter um coração frio, mas permaneça tentando agradá-la e logo terá o amor que ela possui.”  (Lembranças de amor - Capítulo 26)



   Luciana subiu até o quarto, seu coração batia descompassado, não pelo esforço físico que estava fazendo ao subir aquelas escadas, era de raiva, ódio, rancor... Tristeza, dor, mágoa por tudo o que passara. Antes de abrir a porta, enxugou as lágrimas fujonas.

_Victor, você tem visit...

   Achou a área totalmente limpa, Victor não estava ali. Esperou alguns segundos até perceber que ele não estava nem no banheiro tampouco no closet. Andou pelos cômodos da casa, ele tinha que estar em algum lugar. Passou pelo corredor, seu ouvido foi tomado por um som, uma musica, alguns acordes... Custou para acreditar que aquele som vinha do Godin que somente Victor usava-o. Sim. Era ele! Depois do seqüestro não ousou em voltar para aquela sala, seu studio era freqüentado algumas vezes somente por Lourdes que limpava e deixava o ambiente arrumado. Sentiu as lágrimas voltarem ao ouvir a voz de Victor sussurrando, cantarolando enquanto dedilhava timidamente aquele violão. Bateu na porta e logo entrou, Victor olhou-a assustado, como alguém que acabara de ser pego fazendo algo errado.

_Lucy? Eu...
_Fico feliz por saber que voltou a usar essa sala. – Olhou ao redor. – Ela não era nada sem você.

   Os dois se entreolharam, tímidos. Luciana poderia tirar aquele violão das mãos dele e sentar no colo, puxando-o para um beijo feroz, mas lembrou-se da amiga que o esperava.

_Você tem visita. Mandei Lourdes levá-la para a área da piscina. – Saiu do cômodo.

   Victor ficou imaginando quem poderia ser. Não esperava visita de mais ninguém, já estava até acostumado, era nessas horas que ele sabia quem estava do seu lado. As poucas ligações de recebera durante esse tempo foram suficientes. Jornalistas? Não cansavam de procurá-lo ou alguém que lhe rodeava, queriam a tal “exclusiva”, queriam ver o sofrimento dele ser relatado e ir parar em programas de nível nacional. Victor sentia seu estômago retorcer só de lembrar na sujeira do que aqueles jornalistas lhe proporcionavam, muitos chegavam a pedir que ele abrisse sua casa e mostrasse sua família. Seria algo bem comovente, mas não era assim que ele queria expor sua família.

   Foi direto para a área da piscina, pelos longos cabelos negros sabia que a dona deles era Kate. Não a vira, nem entrara em contato com ela depois do que aconteceu entre ambos. Katherine virou-se e foi correndo o abraçar, sem maldades, estava naquele dia, ali, apenas como uma boa amiga. Ficaram boa parte abraçados, ela já chorava bastante, ele já estava sentindo o peito doer de tanta felicidade em vê-la.

_Sente-se. – Ambos sentaram a mesa – Aceita um chá, suco, café...
_Posso pedir um suco?

   Victor sorriu, olhou para Lourdes que estava no jardim, chamando-a e logo em seguida pedindo o que a amiga queria. Voltou a olhar para ela, Katherine não parecia ser a mesma que o implorou por um sexo sem compromisso naquela madrugada meses atrás, ela estava voltando a ser a sua amiga, aquela doce menina em busca dos seus sonhos.

_Olha, barba por fazer te deixa sexy, mas você tem ajeitar isso aí. Está com um ar desleixado e esse não é o Victor que conheci.

  Victor riu alto, há tempos que não se sentia bem assim.

_A preguiça está tomando conta de mim. Prometo que da próxima quando você vir, estarei mais apresentável para recebê-la.
_Assim que eu gosto. – Deram uma pausa para receber as bebidas que Lourdes oferecia – Quando soube de você, não sabia mais o que fazer. Acho que se algo acontecesse, Victor, eu morreria.
_Sem dramas. (Sorriram) Na verdade – Suspirou – Foi um susto. Não gosto nem de lembrar.
_Queria ter vindo aqui desde que soube que você estava em casa, mas não queria atrapalhar em nada.
_Você não atrapalha em nada, Kate.
_Conte-me como foi tudo isso?

   Seria doloroso para Victor relatar todo o acontecimento. Tinha que enfrentar aquilo, vencer o medo, esquecer de tudo e quem sabe falando a alguém além de Beatriz, quem sabe não iria esquecer? Desabafou, mas como sempre, escondendo o momento de dor que teve ao ver Lana morta na sua frente.

   Luciana fitava os dois de longe, tinha que admitir que a presença de Katherine deixou Victor bem, ele já dava altas gargalhadas ao lado dela. Aquilo doeu, agora se sentia excluída da vida do esposo, ele já tinha alguém para fazê-lo sorrir e quem sabe satisfazê-lo na cama.

_Não. Eles, ou melhor, ela já entendeu que a amizade é o laço mais forte entre eles. – Lourdes acordou-a do transe.
_Como assim?
_Olhe para ela, agora olhe para ele. Kate precisa e muito desse momento. – tocou o ombro dela – E acho que está na hora de enterrar o passado, Luciana. O momento do perdão é agora, logo a Kate não estará perto para você usar essas palavras para com ela.

  Luciana arregalou os olhos, fitando a empregada. Lourdes estava com uma expressão tranqüila no rosto.

_Está me dizendo que ela irá “partir”? – Soltou o ar que prendia seus pulmões – Lourdes, está falando sério?
_Calma aí. – A empregada riu gostosamente – Não falo desse “partir” que você está achando. Kate irá se afastar aos poucos, então, deixe esse ciúme bobo de lado e vá perdoá-la, mas antes de tudo, perdoe dentro do seu coração.

   Lourdes afastou-se, deixando Luciana completamente confusa e indecisa. Odiava quando ficava assim. Olhou para Mariana, ali no carrinho, voltou a olhar para aquela mesa, mais uma vez o destino deixou tudo em suas mãos. Respirou fundo e olhou para Katherine: Não havia mágoas, só pena, agora estava se culpando, se não tivesse viajado nada teria acontecido, iria ter mais momento com Victor... Iria ter mais momento com sua mãe.

   Seus olhos não respondiam por si, as lagrimas caíam cada vez que lembrava de Geovana. Em passos largos aproximou-se da mesa, Katherine ao vê-la ficou pálida, com medo. Victor virou o rosto para ver o que a amiga olhava, devia ser algo muito perturbador, mas era somente Luciana. Ambos ficaram com medo, Victor respeitaria se a esposa exigisse que queria aquela mulher fora dali.

Luciana: _Esse fim de tarde está agradável.

   Katherine olhou para dentro do carrinho, sorriu involuntariamente ao ver a filha do casal. Amava crianças.

_Nossa Victor, ela lembra você. Tão linda.

   Evitou trocar olhares com Luciana, respeitava que ali era a casa dela já que era casada com Victor. Evitou também dirigir a palavra a ela, sabia que Luciana poderia rebater com alguma resposta ríspida.

_Eu também acho que ela lembra o Victor. Mas bebês mudam, nos resta aguardar. Quer segurar um pouco ela?

   Tanto Katherine, quanto Victor custou a acreditar que Luciana estava agindo de maneira tão madura.

_Obrigada, tenho medo de segurar bebês.
_Eu faço questão que segure, Kate.

   Retirou Mariana do carrinho, colocou nos braços de Katherine que já estava boba e sentindo os olhos marejarem. Luciana sentou em uma das cadeiras, nada conversou, apenas observava Victor e a amiga falarem de coisas que viveram, lembranças boas e inocentes. Por um minuto sentiu seu peito inflar de emoção, se isso fosse ajudar no tratamento de Victor, ela faria mais mil vezes. Gabriela aproximou-se, escondendo atrás da cadeira de Victor, olhava assustada para Katherine.

Victor: _Hey meu anjo, vem cá. – Segurou a filha e colocou-a sentada no colo. – Essa é a Tia Kate. Fala com ela.
Katherine: _Olá Gabi. – Colocou Mariana, que dormia tranquilamente, de volta pro carrinho e foi pegar a filha mais velha do casal. – Você é muito linda.

   Gabriela lembrava um pouco Luciana quando era pequena, muitas vezes se escondia para não falar com a visita, mas bastava uma delas colocá-la no colo para ganhar a sua confiança. Agora a criança estava risonha nos braços de Katherine, mas olhou para a piscina, mais precisamente em uma borboleta que pousava em uma das folhas que ornamentavam o jardim.

Luciana: _Vai com a Gabi, Vih. Ela quer ir ver a borboleta.

   Receoso no que Luciana podia fazer na sua ausência, Victor olhou para as duas, Gabriela já o chamava e ele foi. Momento ideal para Luciana conversar a vontade com Katherine.

_Você tem duas filhas lindas, Luciana.
_Obrigada.
_E um marido perfeito. – Baixou a cabeça – Quando soube do seqüestro do Victor eu fiquei louca. Ele não merecia passar por isso.
_É verdade. – Respirou fundo – Katherine, acho que temos que ter uma conversa.
_Eu sei, Luciana. Te devo desculpas pelo o que fiz.
_Não estou aqui por causa dele – Apontou para Victor – Estou aqui por causa de mim. Todos esses meses a traição me doeu, já cheguei a passar madrugadas a fora me entregando a solidão e a pensamentos ruins. Inúmeras vezes me peguei te desejando o mal, mas chega um momento em que crescemos espiritualmente e foi preciso sentir uma dor maior que essa traição para me libertar disso. – Olhou para o céu, lembrou-se da morte de sua mãe. – Quero deixar tudo o que aconteceu no passado. Você errou, eu errei, o Victor errou. Não precisamos ficar remoendo e mexendo na ferida. Quero deixar o passado distante de mim, distante de nós. Não quero ter uma péssima saúde por causa de pensamentos obscuros. Agora tenho duas filhas e um marido para criar.
_Então você me perdoa? – Olhou-a esperançosa
_Não. Quem perdoa é Deus, eu apenas liberto a dor que todos nós tínhamos ao lembrar desse assunto. Será muito difícil, mas eu sei que nós três vamos nos ajudar. – Olhou mais uma vez para Victor. – Ele vai precisar e muito de nós, eu sei disso. E nada melhor que a paz para deixá-lo mais feliz.

   As duas se levantaram e se abraçaram, Luciana e Katherine compartilhavam a mesma dor, a culpa, o amor e agora o perdão que alimentava a alma de qualquer ser desde que fosse feito de coração, assim como ambas estavam sentindo naquele momento. Ficaram alguns minutos observando Victor brincar com Gabriela.

_Vejo sua família e é tão perfeita.
_Um dia você terá uma assim, Katherine.
_Impossível – Baixou a cabeça, pedindo forças ao lembrar – Não posso ter filhos.
_Por quê?
_Aborto. Duas vezes.
_O fato de você não ter conseguido segurar duas gestação, não queira dizer que não pode. Isso é normal, Katherine.
_Não. Eu provoquei os dois abortos. – Ergueu o rosto com as lagrimas descendo – Era imatura e não sabia o que estava fazendo... Mas no ultimo eu extrapolei e tive que... – Não conseguiu falar mais nada.
_Entendo. Eu sinto muito. – Após uma pausa, Luciana voltou a falar – Mas existem outros processos, a adoção é um deles. Existem tantas crianças precisando de um lar.
_Não me sinto preparada para isso. – Limpou o rosto – Na mesma época que você perdeu sua mãe eu perdi a minha. A diferença é que você teve o Victor do seu lado e ainda tem, eu agora sou sozinha no mundo, somente eu e Deus.

   Aquilo comoveu Luciana, quando achava que sua dor era a maior de todas, Deus mandava alguém que já sofria igual ou mais que ela.

   O fim de tarde foi maravilhoso, Katherine se divertiu muito com Gabriela que agora estava falante, agarrada ao colar que ela usava.

_A conversa está boa, mas tenho que ir.
_Fica mais, Kate.
_Não dá Victor.

   Abraçou o amigo, fez um carinho a mais em Gabriela, beijou a cabeça de Mariana que estava dormindo no carrinho. Em Luciana, abraçou-a forte, era um sentimento sincero, como deveria ter sido desde sempre.

_Cuida bem dele, tá?
_Pode deixar e você, venha mais vezes.
_Até viria se desse. – Olhou para Victor. – Eu vim te visitar porque semana que vem estou indo para França.
_Oi? – Victor assustou-se – França? Vai fazer o que por lá?
_Recebi uma bolsa para estudar dança. É o meu sonho, Vih. Estou tão feliz comigo mesma. – Sorriu com os olhos brilhando.
_Se é isso o que vai te fazer sentir bem, siga.
_Obrigada meu amigo.

   A despedida fora ainda mais dolorosa. Katherine partiu, Victor com Gabriela no colo e Luciana com Mariana, entraram. Uma sensação de alivio tomou conta de Luciana, não imaginava o quanto seria bom libertar-se daqueles sentimentos ruins. Subiu e colocou a filha no quarto, foi para o seu, Victor estava esperando-a:

_O que você fez hoje, só me fez te admirar ainda mais como mulher, Luciana.
_Fiz o que toda pessoa faria. Agora estou bem comigo mesma, esse é o melhor sentimento.

   Ficaram em silêncio, Victor quebrou-o:

_Nem sei como e agradecer.


“Que tal me beijando?” Pensou Luciana.

Continua...

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