sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Cap. 58






_Calma Luciana, eu posso explicar.

Fechei meus olhos, a todo o momento meu pai estava quieto, calado. Também pudera, devia estar se sentindo culpado por tudo isso.

_NÃO TEM COMO JUSTIFICAR NADA, JOYCE! COMO... COMO VOCÊS TÊM A CARA DE PAU DE FAZER ISSO? – Fui até ele – E VOCÊ, PAI? NÃO DEIXOU NEM O CORPO DA MINHA MÃE ESFRIAR NAQUELE CAIXÃO PRA ENGATAR EM UM ROMANCE COM ELA? – Outro pensamento enojado surgiu na minha mente. – E VOCÊS ESTÃO SE BEIJANDO SOB O MESMO TETO QUE MINHA MÃE MOROU COM VOCÊ POR ANOS... ESTÃO SE DEITANDO NA MESMA CAMA QUE ELA DORMIU? EU TENHO NOJO DE VOCÊ!

Ele baixou a cabeça. Eu estava alterada, fora de mim, mas tinha total razão. Victor entrou na cozinha, assustou-se ao me ver perto demais do meu pai.

_O que houve aqui, ouvi a gritaria de lá da varanda.
_ELES ESTAVAM SE AGARRANDO AQUI NA COZINHA, VICTOR! EU PEGUEI OS DOIS.
_Calma Lu.
_COMO ME PEDE CALMA DEPOIS DE VER ESSA CENA, VICTOR? VOCÊ DEVIA ESTAR CHOCADO TAMBÉM...

Foi naquele momento que a ficha caiu. Victor estava calmo, meu pai e Joyce também. Todos sabiam menos eu, mas quando e como foi que isso aconteceu e eu não percebi? Dei alguns passos para trás, fugindo dos braços que meu marido estendia em minha direção. Algumas lágrimas já caiam em meu rosto, todos traíram a minha mãe, não devia confiar nem no meu próprio esposo.

_Amor, precisamos conversar.
_Fica longe de mim.

Mais uma vez olhei para meu pai, ele estava com a cabeça erguida, querendo falar algo.

_Todos vocês se merecem. Vão pro inferno!

Saí daquela cozinha porque senti meu estomago embrulhar de tão enojada que estava. Porque isso tinha que acontecer justamente hoje que estava me conformando com a morte da minha mãe? Ela não merecia pessoas tão levianas como meu Pai e Joyce, ela que a abrigou ali por anos, que lhe deu total confiança e perto de Padma e Jenifer, era a mais confiável. Sentei encostada na cabeceira da cama, eu tentava abafar meu próprio choro, impossível. Fechava meus olhos forte, queria esquecer a cena que vi alguns minutos atrás, era demais para mim ver meu Pai trocando carinho com outra mulher sem que fosse minha mãe. Victor entrou no quarto e em passos largos se aproximou da cama:

_Precisava daquilo, Luciana?
_Pra você é fácil, não é a sua família. – Virei meu rosto, não queria encará-lo.
_Seu pai merece toda a felicidade do mundo, Luciana.
_Isso seria trair minha mãe. – Alterei minha voz
_SUA MÃE MORREU, LUCIANA! ACORDA PRA REALIDADE.
_NÃO PRECISA PASSAR NA MINHA CARA, DISSO EU JÁ SEI.
_ENTÃO DEIXA SEU PAI SER FELIZ E PARA DE SER EGOÍSTA!
_AHHH, ENTÃO QUER DIZER QUE SE EU MORRER VOCÊ VAI FAZER O MESMO? NÃO VAI ESPERAR O TEMPO CERTO PARA JÁ IR PROCURANDO OUTRA MULHER NA RUA?

Falei o que não devia, esbravejei, mas calei-me no mesmo instante. Victor também não respondeu a minha provocação, sentou-se na beira da cama, de costas para mim. Ele apoiou os braços nas pernas, enterrando sua cabeça entre as mãos. Ficamos calados por alguns minutos, não estava com a mínima vontade de puxar assunto, mas ele sim:

_É diferente. – Sua voz saiu rouca e suave – Eu sei que sua mãe foi muito importante na sua vida, mas seu pai não pode viver em um luto eterno, Luciana. Amanhã ou depois você vai embora e ele vai ficar aqui, sozinho, sem ninguém em que pode confiar e desabafar.

Baixei minha cabeça e podia ver as lágrimas indo direto para minhas pernas, elas caíam como cachoeira. Ele estava certo, eu tinha que admitir e doía muito em mim ainda, aquelas palavras foram certeiras e diretas. Era duro, mas eu tinha que reconhecer que minha mãe morreu e que a vida continua não só para mim, mas para meu pai também.

_Eu sei, mas ainda não me conformo. Querem transar e tirar o atrasado que seja longe daqui, dessa casa onde a minha mãe morou.

Victor levantou-se irritado, me olhou com raiva, não olhei diretamente para seu rosto, mas sentia:

_Quantos anos você tem mesmo, Luciana? 14 ou 15 anos? Está na hora de crescer, não é mais uma criança. Precisa agir como uma mulher e entender que tudo o que eles queriam era que você entendesse e respeitasse.
_Quer saber? Some daqui. Vai embora do meu quarto, faz esse favor.

Apontei para a porta e sem questionar ele saiu, não esquecendo de bater a porta com forçar para demonstrar toda a raiva. Fechei meus olhos e entreguei-me a solidão, deitando por completo na cama. Porque ninguém me entendia? Porque era tão difícil verem meu lado?

Fiquei algumas horas assim, entregue a tristeza. Talvez as lágrimas lavaram minha alma e agora me peguei sentindo ser uma vilã de novela, desejando a infelicidade de todos. As palavras de Victor entraram em mim com tudo e só me deixou com mais culpa ainda. Levantei-me e fui ao banheiro, no espelho eu via o estrago em meu rosto, olhos inchados e vermelhos. Desci rapidamente, procurando por alguém na casa, os achei na varanda, Victor conversando tranqüilo com meu pai e Joyce, até parecia que ali não houve discussão. Aproximei-me devagar, me sentindo uma intrusa:

_Joyce, podemos conversar?

Todos notaram minha presença, Victor ficou calado, não olhando para mim. Ela assentiu e juntas fomos para a cozinha, sentamos nos bancos que ficava perto de um balcão de mármore.

_Eu me assustei quando vi você e o meu pai se beijando. Agi de um modo meio infantil, gritei, joguei palavras fortes, mas só queria que entendesse meu lado. Não foi minha intenção desejar o mal a vocês, mas é que sempre vi minha mãe ao lado dele – Segurei meu choro. – e aí aparece você na vida dele.

Joyce segurou minha mão, mostrando um meio sorriso:

_Claro que eu te entendo, Luciana. Peço desculpas, não era minha intenção e não pense que eu e seu pai ficamos nos agarrando pela casa. Ainda estamos nos conhecendo, trocando algumas informações, nunca passou pela minha cabeça ter algo com seu pai. Tudo isso aconteceu no dia-a-dia, mas só ficou forte mesmo de uns tempos para cá.
_Você não tem porque me pedir desculpas, eu que fiz tudo errado ao armar esse barraco todo.
_Sabe, te entendo. Eu sou apenas uma mera empregada e seu pai é um patamar a mais, somos de mundos diferentes.
_Jamais! Eu nunca te vi assim, você sabe disso. Não gosto como você fala, sempre foi mais que uma empregada, te consideramos da família e agora... – Respirei fundo, entregando um sorriso – Ai meu Deus! Você é minha madrasta.

Rimos juntas, alguém se aproximou de nós.

_Sempre te consideramos da família, Joy. – Victor sentou no banco ao meu lado. – E agora esse laço só vai aumentar.
_Obrigada, Victor.

Meu pai entrou e ficou perto de nós. Ainda era estranho olhar para eles e saber que eram um casal, a idade deles era diferente. Enfim, depois de muito tempo em silêncio, ele se pronunciou:

_Desculpe, Lucy. Não pensei que você fosse chegar justamente em um momento tenso. Eu fiquei feliz quando você me disse que viria, era a grande oportunidade de dar a noticia. Queria sentar com você e explicar, sei que é duro para você saber que estou fazendo a minha vida depois de tudo.
_Esquece pai, a vida é sua, não tem necessidade de me dar satisfação.
_Mas fazemos questão disso. Sua opinião é válida e sempre será.

Continuamos conversando até Joyce fazer a nossa janta. Para minha surpresa, nem Padma e Jenifer estavam sabendo, eles decidiram contar depois que eu soubesse da história toda. Já estava anestesiada após aquele susto e agora agíamos como uma família de verdade na mesa de jantar. Enquanto eu estava colocando Mariana para dormir, Victor estava contando alguma história infantil para Gabriela também dormir. O fim de noite estava tudo calmo, assim que tomei um banho e deitei-me na cama, relaxei por completo, aquele dia tinha sido muito puxado para mim, emoções fortes me deixaram cansada fisicamente. De olhos fechados, senti Victor deitar do meu lado e soltar um suspiro de alivio, virei-me de lado e fiquei lhe fitando, sentindo meus olhares, ele também me olhou.

_Como soube que eles estavam juntos?
_Quando você saiu para ir ao cemitério, eles me chamaram para ter uma conversa. Pediram que eu estivesse perto quando fossem contar a você.

Ficamos calados, apenas nos olhando e trocando carinho com as mãos.

_Estava certo. Chega um momento em que eu tenho que agir como uma adulta – Virei meu corpo, fitando o teto. – Não sou mais uma jovem boba.
_Jovem sempre seremos. – Passou o braço em minha cintura por baixo do lençol – Mas certas atitudes, temos que agir como pessoas maduras. Está de parabéns por ter tomado iniciativa de pedir desculpas a Joyce.
_Sinto que estou mais tranqüila, sabe. – Inspirei fundo – Então é isso, boa noite.

Dei um selinho rápido e virei-me de costas para ele, que segurou meu quadril, aproximando mais ainda seus lábios no meu ouvido:

_Dorme bem meu anjo.

Fechei os olhos e não lembro de mais nada.

Luciana’s Pov Off.   


***

   Luciana pegou seus trajes profissionais, era estranho voltar depois de tudo. Aquele mês de Janeiro passou rápido, decidiu não fazer festa para o aniversário de Gabriela, apenas um bolo que comemorou com os mais íntimos. Estava mais conformada com Lucas namorando Joyce, no começo não queria admitir, achava estranho, mas depois de ver o brilho que tinha nos olhos de ambos, compreendeu que podia não ser amor, mas sim uma paixão.

_Ainda não me conformo. – Victor aproximou-se dela. – Deveria pegar um atestado com a Carol e ficar esse mês em casa.
_Não dá Victor. – Vestiu a blusa – Fiquei muito tempo parada, preciso voltar.
_Mas agora você tem duas filhas, não esquece disso.
_Você acha que eu vou abandonar a Mari e a Gabi? – Olhou para ele através do espelho – Por Deus, Victor!
_Desculpa vai – Abraçou-a por trás, retribuiu o olhar pelo espelho – Só não queria que você voltasse justamente na época em que estou de férias.
_Eu sei meu amor – Virou-se o abraçando – mas o dever me chama.
_Tá, vai lá – Deu um tapa na região glútea dela.
_Vih!
_Propriedade minha, Senhora Chaves.

   Luciana sorriu e foi direto a sua bolsa, checou se tudo estava ali, deu um suspiro de medo.

_O que foi, Lu?
_Lembrei da ultima vez que voltei de licença.
_Nada vai acontecer, meu amor. Ninguém dispensa uma boa médica obstetra... – olhou para ela dos pés a cabeça – E que boa médica.
_Sem piadinhas. – Fechou a bolsa. – A grande hora chegou.
_Faz o favor de não ficar muito perto do tal do Michael, tá?
_Não vejo necessidade dessa sua recomendação.

   Ele baixou a cabeça, lembrando-se do que ocorreu no parto, quando sua filha estava para nascer.

_Esquece vai. Bom trabalho.

   No fundo Luciana sabia bem do que ambos estavam falando. Lembrou-se da confissão de Michael naquela mesa de cirurgia. O medo da morte faz as pessoas ao seu redor lhe confessarem o segredo mais oculto.

   Passou pela sala, beijando as filhas e de mãos dadas Victor a levou até a garagem. O caminho inteiro estava tensa, com medo, corria o risco de ser demitida novamente. Entrou no hospital e foi recepcionada pelos funcionários com abraços calorosos, todos pedindo fotos de Mariana, perguntavam sobre como Victor estava também. Aquele dia estava só começando e ela já estava empolgada, colocou o jaleco e foi sorridente para a ala da maternidade, analisou algumas fichas e o tempo passou rápido enquanto esteve ali. Ninguém tomaria seu lugar, estava trabalhando e não existia pessoa mais feliz. No fim da tarde, Michael chegou e foi logo abraçá-la forte.

_Doutora! Estava com uma saudade enorme de você.
_Eu sei, só não entendo porque não foi me visitar.
_Ah, você sabe... Aquele seu marido não vai com a minha cara.
_Bobagem isso. Victor iria entender.

   Mais uma vez sabia que estava falando da boca para fora. Victor não iria entender, uma noite antes já sentia ele nervoso só de saber que ela estava falando com Michael no telefone, organizando a escala de plantão. Olhou para ele e sentiu que o carinho que sentia por ela era verdadeiro. Michael a amava e isso era algo que iria atrapalhar sua vida mais na frente.

_Então. – Ele puxou assunto após uma breve pausa – O Jonas está te chamando na sala dele.
_O que será que ele quer? – Mudou a expressão, estava assustada.
_Não sei, Lucy. Seja lá o que for, boa sorte.

   Foi até a sala do chefe de plantão um pouco cabisbaixa, já prevendo o que iria acontecer. Estava até desistindo de seguir aquela profissão por isso estar sempre acontecendo. Bateu na porta, ouviu a autorização e entrou. Arregalou os olhos porque a sala estava repleta de funcionários, boa parte deles sendo seus amigos da ala da maternidade. O susto foi grande, fazendo-a sentir as lagrimas caírem.

_Desculpa Doutora, te assustamos? – Jonas foi até ela, abraçando-a de lado – Só queríamos te dar uma festa de boas vindas.

  Ela sorriu sem jeito. Michael entrou na sala.

_Ela caiu direitinho.

   Abraçou todos, comeram o bolo que estava na mesa. Nunca se sentiu tão bem em um local de trabalho como ali, não eram amigos de profissão, eram seus amigos que compartilhavam da felicidade de tê-la de volta, o sentimento era verdadeiro no rosto de cada um. Olhou para o relógio e percebeu que já passava das sete da noite.

_Eu tenho que ir voando pra casa.
_Ela pode, o marido tem um jatinho. – Um dos enfermeiros falou, arrancando gargalhadas gostosas.
_Bobo, vou fingir que gostei da sua piadinha. Tenho que ir mesmo gente. Muito obrigada por tudo.

   Pegou a bolsa no armário e foi logo para casa. Victor estava com Gabriela na sala, com o celular na mão, discando algum numero, ao vê-la levantou-se. Estava visivelmente irritado:

_O que aconteceu? Porque não atendeu minhas ligações?
_Calma Victor, eu...
_Você não tem noção do que é ter responsabilidade, Luciana?! – Alterou a voz.
_Me desculpa, eu não olhei meus celulares.
_Devia ter olhado. Agora você tem duas filhas. E se eu não estivesse aqui e a Lourdes estivesse ocupada?

   Luciana estava buscando a paciência dentro de si, estava cansada, não queria discutir com ele, mas aquelas palavras estavam machucando-a, ela tinha que se defender.  

Continua... 

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