terça-feira, 21 de outubro de 2014

Cap. 60






   Luciana se olhava de frente para o longo espelho no closet, ainda estava achando aquele vestido preto muito curto. Estava finalizando os últimos toques quando Lise entrou.

_Nossa, a senhora está uma gata.
_São seus olhos.
_Acho que não. Victor vive te chamando de gata.

   Sorriu olhando para ela através do espelho.

  Enfim depois de tantos meses procurando uma babá que se encaixasse perfeitamente nas opções que ela queria, acabou achando Lise. Ela tinha apenas vinte e um anos, cursava faculdade e estava a procura de emprego para pagar as despesas enquanto finalizava o curso que estava prestes a se formar. Já tinha noivo e agora estavam morando juntos. Sentiu um alivio porque a garota era perfeita para a ocasião e em uma situação como essa (Luciana precisando sair à noite) ela estava ali para segurar as pontas.

   Aqueles meses estavam passando rápidos, estavam em Junho e sua vida tinha melhorado bastante. Apenas a implicância de Victor para com Michael que estava irritando-a, sempre estavam discutindo por questões como essas.

   Terminou de se arrumar e discou o numero do celular dele.

_Oi amor.
_Só liguei para avisar que já estou saindo.
_Tem certeza que quer ir? Porque não fica em casa, hoje não estou. Vai ser a primeira noite da Lise com as crianças...
_Fica calmo que antes da meia noite estarei em casa, só não quero fazer essa desfeita com o Guilherme. Tenho que ir. Beijos e te amo.
_Amo mais.

   Desligou e entrou no carro, havia passado toda a recomendação para a babá, os horários do remédio de Mariana, a hora certa de Gabriela ir para a cama. Lembrou-se dos tempos de solteira, estava sempre indo para festinhas com a turma do hospital, nada lhe impedia, apenas quando Victor estava de folga porque o programa era outro. Parou no semáforo e teve uma lembrança gostosa, só ali pode perceber que sempre amou Victor, só não havia enxergado antes, largava qualquer noite de barzinho quando ele lhe ligava e as madrugadas eram tão banais entre ouvi-lo tocar uma nova composição, assistir filme e comer brigadeiro, porém, amava a presença dele... Sempre amou.

   Chegou ao salão de eventos e já havia vários carros estacionados, entrou mexendo no celular quando ouviu Carol chamando-a. Ela estava com os amigos e Luciana juntou-se a eles, tudo estava tão perfeito, aquelas fotos de gestante sempre lhe davam uma nostalgia e entre um suspiro e outro ouvia a amiga sussurrar-lhe: “Viu só? Está na hora de ter mais um, Lucy.”

_Vira essa boca pra lá, Carol. Estou bem com as minhas duas estrelinhas.
_Ah, eu só queria ser madrinha né?
_Mas você já é madrinha da Mari.
_Tá ok, eu me rendo.

   Parou em uma das fotos e ficou tão entretida que esqueceu do grupo de amigos que se afastava. Alguém tocou o seu ombro.

_Guilherme está de parabéns com a exposição.
_Michael? Pensei que não viria.
_Como perder essa perfeição?

   Continuaram olhando para a foto na parede.

_Não sabia desse grau de intimidade entre você e o Gui.
_Ele me ajudou muito. Lembra de quando fiz a residência?
_Claro. – Baixou a cabeça.
_A propósito, você está linda essa noite.

   Ergueu o rosto e viu os olhos dele brilharem. Estava na zona de perigo, seu corpo clamava para sair dali.

_Obrigada Michael – Olhou novamente para a foto e mudou de assunto radicalmente – O Gui nunca escondeu esse desejo de ser fotógrafo.
_É, primeiro medico que conheço que nas horas vagas se entrega ao mundo das fotografias.

   Luciana ignorou Michael e continuou andando calmamente. As fotos estavam perfeitas, Guilherme retratou a história de uma de suas pacientes, toda a gestação. Foi até ele, o abraçando e enchendo-o de elogios, Carol puxou-a para conversarem:

_Me desculpa, mas esse Michael está te olhando com tanta tara, que qualquer um percebe.
_Eu sei Ká, até já me afastei para não dar burburinhos. Sabe como é né, não são só os médicos presentes hoje, a alta sociedade inteira está aqui.
_Fique do meu lado, é bem melhor.

   Mais uma vez se juntou aos amigos e ficou por ali até seu telefone tocar, Victor estava ligando para ela. Procurou um lugar sem barulho para atender:

_Oi amor.
_Oi. – Sorriu timidamente – Desculpa estar atrapalhando sua noite, mas é que estava com saudades.
_Tudo bem. Que horas começa o show?
_Daqui a pouco. E por aí, como está?
_Perfeito. A exposição está divina, só faltou você.
_Eu sei. E quem está aí?
_A Carol, Jéssica e outros amigos.
_Tá, não demora pra voltar pra casa.
_E você, volta quando?
_Essa madrugada. Me espera e põe aquela lingerie que comprei...
– Sorriu maléfico.
_Vou esperar ansiosamente.
_Ok. Volte à festa e divirta-se. Te amo.
_Também te amo muito.

   Desligou o celular e sorriu. Victor a deixava tão leve, tão tranqüila, sorrindo tão débil. Ergueu o rosto e Michael estava ali, com um olhar estranho. Nas mãos, um copo de whisky.

_Estava falando com ele no telefone?
_Sim.

  Michael bufou sarcástico.

_Está na hora de você começar a viver de verdade, não se esconder na sombra dos outros, Luciana.
_Do que está falando?
_Sua vida.
– Aproximou-se dela – Você vai do trabalho para casa, de casa para o trabalho. Vive para as filhas e o esposo. Chega uma hora que isso cansa.
_Nunca irei cansar de viver assim. Só tenho que agradecer a Deus. Com licença.

   Retirou-se do local rapidamente, Michael estava estranho naquela noite, ela só queria esquivar-se o máximo possível dele. Achou Carol e foi até ela:

_Vou pra casa.
_Mas já Lucy?
_Sabe como é né, as crianças estão com a Lise e sei lá, fico com o coração apertado.
_Isso é normal, primeiras noites longe de casa você ficará com medo. Mas vai sim, essa semana leva elas lá pra casa? Quero matar a saudade.
_Pode deixar. Tchau.

   Em passos rápidos, com medo de alguém foi até o estacionamento. Estava se sentindo em um filme de terror, o local estava deserto, pra piorar, seu coração batia descompassado, podia ouvi-lo junto ao barulho dos seus saltos. Destravou o carro antes mesmo de chegar perto dele, alguém a chamou, fazendo-a sobressaltar de susto.

_Michael? – Alterou a voz. – Quase que me mata.
_Não foi minha intenção.

   Olhando para o amigo, Luciana sabia que ele estava bêbado, tropeçando enquanto se aproximava mais dela.

_Já vai também?
_Não. Ainda quero ficar mais.
_Se precisar de carona, estou de partida. Adeus Michael.

   Tentou ir rápido e abrir a porta do motorista, mas sentiu as mãos dele apertando seu braço, girando-a e sem poder se defender, ser arremessada contra o carro. Michael jogava todo o seu peso contra o corpo de Luciana, ela estava imóvel e já imaginando o que estava prestes a acontecer. A boca dele procurou a sua e um beijo violento aconteceu, por mais que tentasse se esquivar, mais ele prendia-a, deixando quase sem ar. Sentiu nojo ao ver a língua dele rolando dentro da sua boca, aquele gosto de álcool ela sabia que permaneceria por dias e dias cada vez que lembrasse, as mãos dele agora dançavam no corpo dela, apalpando e Luciana sentindo as lágrimas querendo saltar dos seus olhos. Em um gesto despercebido dele, conseguiu se livrar dos braços, empurrando-o para bem longe. Ainda no escuro daquele estacionamento ela via a expressão sarcástica.

_QUE PORRA É ESSA MICHAEL? VOCÊ É LOUCO?!

    Entrou rapidamente no veículo, ligando o motor e acelerando para se afastar dele e do lugar. Chorou durante o caminho para volta de casa, sentiu seu estômago dar voltas dentro de si a cada vez que tragava sua saliva e o gosto do Whisky estava ali, entregando tudo o que aconteceu. Colocou o carro na garagem e ficou dentro dele por longos minutos, ainda chorando, sem forças de entrar em casa, com medo do que estava por vir. Naquele momento sentia-se usada, com nojo de si, mesmo não ter aceitado ele ter lhe tocado. Desceu do veículo e subiu rapidamente, não queria que ninguém presenciasse seu desespero, estava passando pelo corredor escuro quando uma voz surgiu atrás de si, fazendo-a sobressaltar mais uma vez.

_Desculpa, Dona Luciana.
_Que susto Lise!
_Eu... Só ouvi barulhos no corredor e pensei que fosse ou você ou o Victor.
_Tudo bem. Já passou. – Percebeu que a babá a olhava estranha. – E as crianças?
_A Mariana eu dei a medicação na hora certa, já a Gabi... Tive que ficar acordada com ela até quase agorinha.
_Tudo bem. Vou pro meu quarto, qualquer coisa me chama, tá?
_Tá.

   Deu as costas para Lise, deixando-a ali no corredor, meio indecisa entre ir até a patroa e perguntar se ela queria desabafar algo ou apenas voltar para o quarto de Gabriela e dormir.

  Luciana entrou no quarto jogando o vestido para longe do corpo, retirando todas as peças que faltassem ser jogadas. Sentia nojo de si, nojo do corpo. Entrou desesperada no banheiro e se viu no espelho, assustou-se, estava com o batom vermelho totalmente borrado.

_Deve ter sido por isso que a Lise me olhou estranha. – Sibilou

  Lembrou-se do beijo, do olhar de Michael. Antes até sentia uma atração pelo colega de profissão, agora, o via como um monstro, um ser que a deixava enojada e só com vontade súbita de matá-lo. Com as mãos tirou todo o batom, ligou o chuveiro e permaneceu dentro dele, a água caindo por longos minutos, queria tirar o rastro que as mãos dele deixaram. Colocou seu pijama e deitou-se, não para dormir, mas para pensar.

   E se todos descobrissem? Se Michael falasse? Será que tinha alguém que presenciou aquela cena? E se presenciou iria contar a alguém... Chegaria aos ouvidos de Victor?

   Sentou-se na cama, chorando desesperadamente, passando a mão no rosto não querendo nem pensar se ele descobrisse de algo assim. Sempre fora fiel, o amava, mas será que Victor a perdoaria por ter deixado Michael lhe tocar e beijar tão intensamente? Deitou-se novamente, as horas estavam se passando, a madrugada já decretava o fim, a manhã se iniciava. Ouviu passos no corredor, Victor estava chegando, ela não teria coragem de encará-lo. Virou-se de lado, fingindo estar dormindo e o viu passar para o closet, guardando a mala, depois Victor foi para o banheiro, tomou um banho rápido, ao voltar achou o vestido dela no chão, sorriu colocando-o no sofá. Fechou os olhos forte, rezando para que ele não descobrisse que estivesse acordada. A cama afundou, ele puxou o cobertor... Aproximou-se mais passando a mão pela cintura dela beijando o ombro.

_Amor?
– Sussurrou.

   Queria poder se virar e nos braços dele achar seu porto seguro, mas Luciana sabia que se fizesse isso, iria chorar copiosamente e que Victor ficaria insistindo até achar uma resposta convincente vinda dos lábios dela. Xingou a si mesmo porque permaneceu parada, sem mover um músculo do seu corpo. Victor sussurrou um pouco mais audível:

_Lu?... Luciana?

   Por fim, acomodou a cabeça no travesseiro e tentou dormir, Luciana só respirou aliviada ao sentir que ele estava em um sono profundo. Mexeu-se na cama, olhando para ele, a aurora se formava no céu, a claridade timidamente invadia o quarto pelas frestas da cortina. Ela chorou em silêncio, pedindo desculpas para si, para ele que agora não podia ouvir mais nada, estava dormindo. Viu o dia clarear e levantou-se, não tivera proveito nenhum naquela noite, sabia que iria parecer um zumbi no hospital. Tomou uma ducha para despertar, trocou de roupa e desceu para tomar um café rápido. Lourdes olhava para ela tentando decifrar algo.

_Está tudo bem, Luciana?
_Sim Lourdes, só estou com sono. Tenho que ir.

    Colocou a xícara na pia e foi logo para o hospital. Como seria encarar Michael depois de tudo? Será que ele tinha alguma desculpa para lhe explicar o porquê fizera tamanha barbaridade? Como sempre na sua cabeça só surgiam perguntas e mais perguntas. Respostas? Só o destino poderia lhe dizer.

Continua...

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