segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Cap. 36


    

    Luciana custou para abrir os olhos, estava muito bem confortada entre seus lençóis. Ouviu uma musica de fundo, algo que a fazia lembrar-se da infância. Sentiu vertigem assim que abriu os olhos, tudo estava branco, desde a parede com as longas cortinas até os moveis e a cama, o forro, seus lençóis... Sentou-se assustada. Definitivamente aquele era seu quarto, mas tudo estava estranho, olhou para seu próprio corpo e sentiu ser o de quando estava na adolescência, seu longo cabelo destacando em sua veste também branca. Aquela musica a fazia lembrar algo mais, bastava apenas forçar sua mente...

    “Clair de Lune” a musica preferida de Geovana, que ouvia sem parar toda vez que estava em seu consultório nas horas vagas, horas essas que Lucas deixava sua filha lá, com a mãe. Luciana girava na cadeira enquanto ouvia aquela musica, sua mãe, apenas sorria enquanto estava lendo algumas fichas dos pacientes.

_Mãe?!
– Gritou quando viu que voltou para aquele quarto branco e saiu da lembrança da infância.

    A musica parou, o seu quarto voltou a ter cores nos moveis, porém na escuridão nada se via, tinha acordado daquele sonho. Seu celular tocou, imaginou ser Victor já que a ultima vez que o viu foi no dia anterior e ainda assim, ele saiu sem despedir-se direito.

_Oi Victor.
– Sua voz estava sonolenta.
_Luciana?

    Uma voz feminina, estranha. Luciana endireitou-se na cama e encarando o teto voltou a falar:

_Pois não, é ela?
_Lucy. Acho que nem reconhece mais minha voz.

    A mulher do outro lado da linha estava nervosa, com a voz trêmula, fazendo Luciana sentar-se na cama imaginando que fosse uma das suas pacientes.

_Desculpe, não estou reconhecendo mesmo. Com quem eu falo?
_Não lembra de mim? Sou sua Tia Marta.

   Por um milésimo de segundo procurou em sua mente se existia alguém conhecido com esse nome. Lembrou-se que Marta era a irmã de Geovana que morava em Manaus, não se viam há anos. Um choque acometeu-a, sentiu seu peito doer:

_Tia, o que houve?
_Querida... É... Quero que fique calma.
_Fala logo.
_Sua mãe... Ela está na emergência e me ligaram pedindo para avisar para você. Mas tenta manter a calma, por que.... Droga! Nem sei o porquê – Riu fraco – Enfim, eu sei que é estranho eu te ligar às quatro e meia da madrugada, mas você pode ir pra São Paulo?
_Claro
– Sussurrou – Vou agora. Obrigada por me avisar.

    Desligou o celular pensativa. Algo de ruim acontecera com Geovana, ela podia sentir leves arrepios. Sem noção do que estava fazendo, foi até o closet e tirou a mala, colocou pouca roupa e até achou que deveria colocar as de Gabriela juntas. Saiu ligando as luzes e achou Joyce no corredor, a sua empregada estava com o rosto pálido, olhando para Luciana com pena.

_Você também está sabendo não é?
_Lucy, seu pai me ligou.
_Eu vou pra São Paulo.
– Foi até o quarto de Gabriela. Sendo acompanhada por Joyce.
_Vou junto com vocês.

    Enquanto Luciana pegava as roupas da filha, sua mente trabalhava e mil pensamentos surgiam ao mesmo tempo.

_Calma Luciana, a Dona Geovana está internada.
_Não. Eu sei que não está... 
_Tira isso da sua cabeça menina. Vamos, vou te ajudar.

    Em menos de meia hora lá estava ela no aeroporto, aguardando o vôo. Gabriela fora acordada e naquele momento, estava sonolenta nos braços da mãe, que a abraçava fortemente buscando um apoio ou segurança. Joyce não sabia o que fazer ou dizer, apenas andava de um lado para outro. Sentaram em uma das lanchonetes, agora Luciana tomava café para acordar daquele transe, não falara mais nada e ficava encarando a xícara na mesa.

_Lucy, quer conversar?

   Ela fez um gesto negativo com a cabeça, só queria que as horas voassem e já estivesse em São Paulo para saber se realmente o que estava passando pela sua cabeça, era verdade.

   A morte nunca fora bem vinda para ela, nunca mais precisou pensar nisso desde que sua paciente morrera em seus braços. Ora, Médicos já estão acostumados, nem sempre podem fazer milagres de salvar uma vida. Agora ela agia como uma humana e não como uma profissional, agora ela estava pensando nos momentos bons que tivera com a mãe... Agora, ela só queria chegar na casa dos pais e receber o “Abraço caloroso” que Geovana sempre lhe oferecia. Pensou em Victor, nesse momento o queria ali, abraçando-a fortemente, dizendo que estava tudo bem e que iria ficar do seu lado até o fim. Seu casamento estava fracassado, pra piorar sua mãe estava entre a vida e a morte. Sua vida iria ficar pior do que já estava? Ela tinha certeza que sim.

***


    Após se retirar do quarto, Victor pegou seu carro e foi direto ao encontro de Leo. Eles iriam viajar para fazer show, até agradeceu, no momento não estava suportando olhar para a cara de Luciana, sua esposa por quem sentia amor e naquele momento, também o traiu. Se não o queria porque insistia em pedir para voltar? Estava satisfeita, já tinha dado o troco. Assim ele pensou.

    Procurou se distrair durante o dia, em entrevistas de radio fazia todos rirem e acabar com a tal suspeita de que seu casamento estava em crise. Ninguém precisava saber disso, apenas ele e seus familiares. Ficou abalado quando ela aparecera no apartamento naquele dia, o queria de volta e no pensamento dele, queria voltar para casa apenas para acompanhar o fim da gestação, após isso iria pedir um tempo e tentaria viver amigavelmente com sua ex-esposa. A amava muito, mas para não machucar mais o sentimento de ambos, optou por “abdicar” de Luciana para vê-la feliz, não com outro homem, isso seria demais para seu coração, mas sentiu que ambos viviam momentos felizes quando estavam longe.

    Antes de começar o show, várias pessoas o abordavam perguntando se era verdade a noticia da separação. Ele negou até o fim, apenas disse que queria Luciana longe de flashes para poder ter uma gestação tranqüila. Até onde e quando iria permanecer nessa mentira? Nem ele mesmo sabia responder.

   Voltar para casa estava sendo torturante. Teria que conversar com Luciana. Claro que ela iria tentar lhe convencer de que não o traíra e também iria implorar para voltar a dividir a mesma cama, Victor já tinha a resposta formulada em sua cabeça. Estava preparado. Parou o carro e viu que o dela não estava na garagem, subiu rapidamente as escadas e estranhou. O quarto de Gabriela estava aberto, ela não estava no berço e àquela hora sabia que Joyce jamais a levaria para brincar lá fora, o sol ainda nem tinha surgido. Desceu rapidamente e achou Lourdes no começo das escadas com o olhar triste. Pensou de imediato que acontecera algo com sua pequena, sentiu seu coração bater rápido.

_Onde está a Gabi?
_Victor, a Gabi está bem, mas você tem que ajudar a Luciana.

   Lembrou-se do sonho que Luciana morria e todo aquele amor voltou com tudo, como se tivesse acordando repentinamente de um sono profundo.

_O que houve?
_Ela vai precisar de você.

    Mal terminara de ouvir Lourdes e foi logo pegando o carro, acionando o piloto do jatinho. Demorou a acreditar que aquilo estava acontecendo. Queria chegar em São Paulo logo para confortar a família. Luciana, como será que ela estava e onde estava?

    No começo da manhã conseguiu chegar na mansão. Sentiu como se algo dentro de si tivesse sido arrancado, aquela casa aberta, vários carros estacionados, infelizmente não era em um momento bom. Cada passo que dava, sentia no seu pulmão faltar o ar e com os olhos buscava alguém conhecido.

_Victor?

   Olhou para o lado e viu Joyce vir em sua direção.

_Que bom que veio.
_Ainda estou sem acreditar.
_Se você está, imagine eu...
– Segurou o choro.
_Onde ela está?
_Lá em cima, no quarto. Tenta conversar com ela, Luciana está em choque, não fala nada, não quer comer nem beber chá, apenas olha para o nada.

    Lembrou-se da vez em que tivera que socorrê-la do transe em que ficou quando Gabriela, sua paciente, morrera em suas mãos. Ao mesmo tempo não queria subir aquelas escadas, não queria ter que encará-la, não nesse momento de dor. Bateu na porta e não ouviu nada, apenas entrou em silêncio, achando Luciana deitada, de costas para ele. Não iria segurar-se, seria um fraco, mas se tivesse que dividir a dor, que fosse ao lado dela que precisava bem mais que ele. Sentindo a presença dele, olhou por cima do ombro e ao certificar que Victor estava ali se levantou indo em sua direção:

_Eu sinto muito...

   Foi o que conseguiu dizer quando a abraçou. O choro que estava engasgado na garganta dela surgiu, aquele som que estava preso fora jogado alto, Luciana chorava como uma criança, urrava e soluçava, apertando a cintura de Victor de uma maneira de tentar deixar aquela dor ir embora, uma dor inexplicável que ela estava sentindo após confirmarem “Sim, ela morreu.”. Após essa confirmação não falou com mais ninguém, sequer olhou para o próprio Pai, subiu para seu quarto. Tentava chorar, gritar, algo que rebelasse sua dor, mas nada saia.

_Calma Lu, estou aqui.
– Apertou-a em seus braços.
_Victor... Tá doendo muito. – Gritava com a voz embargada. – Ela me deixou Victor, minha vida acabou.

   Nunca pensou que ficaria assim, seu ponto fraco era sua mãe e o ponto forte... Era Victor, foi nos braços dele que ela sabia que tentaria segurar as pontas.

   Victor deitou-a na cama, fazendo o mesmo em seguida, colocando-a aninhada a ele. Luciana não parava de chorar e não conseguia controlar-se, gritava para extravasar a dor, molhava o peito dele com as lagrimas. Victor apertava-a em seus braços para que ela entendesse que não ficaria sozinha, não mais. Após um soluço, calou-se, com os olhos em um ponto qualquer do quarto, agarrada a cintura dele.

_Porque logo agora?

   Voltou a chorar alto, sentindo todo o seu corpo doer, até sua alma. Victor nada conseguia falar e chegou a derramar algumas lagrimas. Geovana ultimamente estava sendo um exemplo de mulher, que infelizmente só conseguiu conhecer um pouco tempo antes de ela vir a falecer.

_Ela descansou, meu amor.
– Segurou um soluço enquanto falava e acarinhava o cabelo dela.
_Isso é injusto, Victor. A minha mãe me deixar agora.
_Todos nós passaremos por isso um dia, meu anjo.
– Tentava explicar como se estivesse diante de uma criança.
_Eu não quero isso.
– Calou-se por uns segundos – Eu quero minha mãe de volta.

   Não cansava de chorar, não conseguia parar. Luciana estava pior que uma criança. Joyce entrou com uma xícara de chá e tanto ela como Victor, forçou-a a tomar, aos poucos ela foi se acalmando.

_Victor. Não me abandona, não me deixa agora. Fica aqui comigo.
– Sua voz estava trêmula, sonolenta.
_Não meu amor, estou aqui com você. Dorme

   Cantarolou algo para Luciana dormir, conseguiu vê-la fechar os olhos e ir relaxando o corpo. Victor desceu, tentaria ajudar em algo já que a esposa não teria cabeça para isso.

_Joyce, o que posso fazer?
_Agora? Nada. Estou impressionada com a força que Seu Lucas está tendo, ele quem está resolvendo os detalhes para o velório. Aparenta estar forte, mas sei que quando a ficha cair, vai chorar igual ou pior que a Luciana. Obrigada por ter vindo, Victor.
_Eu viria de todo jeito. Dona Geovana me ajudou muito nos últimos meses.

   Subiu para o quarto, Luciana ainda dormia e ele deitou-se do lado dela, acariciando as madeixas dela, sentindo seus olhos arderem para as lagrimas se formarem.

_Ahh minha Morena, como queria passar essa sua dor para mim só para não te ver assim. Eu sinto muito.

   Abraçou-a e sentiu seus olhos pesarem, caindo em um sono profundo.      

Continua...

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