quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Cap. 37


“Viver tem suas mortes
  Aceito os meios pra alcançar o fim"                
                                (Duras Pedras –Sandy)

  Tudo soava estranho naquela tarde em São Paulo, o céu estava nublado, mas em um tom de cinza diferente, a chuva caindo forte, um frio. Luciana estava acordada, já vestida para ir ao velório, sentada na beira da cama olhando para o céu pela janela; um olhar perdido, buscando respostas de tudo o que estava vivendo.

   Ainda doía muito e tudo em sua mente era voltado à morte de Geovana: Como? Por quê?

 “A morte só quer uma desculpa.”

   Lembrou-se de alguém ter falado isso na sala assim que chegou naquela manhã. Seu Pai parecia tão forte que jamais ela iria descrever ele sendo “o viúvo” da história. Sua pequena Gabriela estava nos braços de estranhos, amigos da família que estavam a todo tempo ali os ajudando.

   Victor saiu do banheiro e a cena que de Luciana sentada com um olhar perdido o deixou receoso. Assim que acordou, sua esposa voltou a não se pronunciar e com gestos afirmava ou negava quando alguém lhe perguntava algo.

_Amor. Está tudo bem?
– Sem encará-lo, ela assentiu com a cabeça. – Vou me trocar e vamos para o velório.

   Jenifer ficou com Gabriela para eles irem até o salão da funerária onde o corpo de Geovana já estava sendo velado. Com um dos carros da família, Victor dirigiu todo tempo olhando para Luciana, que estava com seus pensamentos perdidos olhando para a janela.

   Chegar ali e ver todos os familiares que só se reuniam em dois momentos: Festas e Velórios. Alguns amigos se aproximavam, tentando puxar assunto, mas logo se afastando ao perceber que ela não estava falando. Não ficou próxima do Pai nem ousou em olhar para ele, ali era sua fraqueza.

_Não precisa fazer isso se não quiser.

    Victor sussurrou para ela ao chegarem um pouco próximo do caixão e ver que Luciana evitava se aproximar. E assim seguiu, ela, do lado de fora apenas ouvindo as conversas ao seu redor. Lucas, que não saia de perto do corpo da esposa, oras, alisando a mão gélida dela, oras chorando baixinho.

   Aquele clima estava sendo torturante para Luciana, ela olhava para todos os lados com seus olhos rasos, procurando por Victor que tinha se afastado somente cinco minutos para pegar uma xícara de chá e parou na metade do caminho conversando e conhecendo algumas pessoas da família dela. Quanta ironia, em tantos momentos felizes, ele fora conhecê-los em um momento triste. Quando voltou ela já estava aflita, gritando com seus olhos, buscando por ele.

_Desculpe, fui buscar um pouco de chá para você, mas acabei encontrando alguns de seus primos que puxaram assunto. Está tudo bem?
– Mais uma vez ela assentiu olhando para o chão

   Luciana não iria segurar por muito tempo, alguns amigos de profissão de Lucas falavam isso. Passou o dia inteiro sem se alimentar, apenas tomando chá.

_Leve-a para casa. Amanhã ela volta para dar o ultimo adeus a mãe dela.
– Aconselhou um dos tios dela.

   A tarde já estava no fim, a chuva ainda insistia em cair. Victor levou Luciana para casa, assim que chegaram ela foi logo correndo para abraçar Gabriela.

_Jenifer, temos que forçar Luciana a se alimentar. Você pode me ajudar?
_Claro Victor. Venha, vamos aproveitar que ela está com Gabi nos braços.

   Juntos foram para a cozinha, foi preciso um momento de dor e tristeza exalando pela casa para a empregada não ter seu “ataque de fanatismo” com ele. Às vezes tentava puxar assunto sobre a carreira dele e do irmão, mas logo era cortada, estava muito preocupado com a situação da sua esposa. Preparam um sanduíche e levaram até ela, que mais uma vez naquele dia estava estranha. Luciana estava abraçada com sua filha, apertando-a e se balançando para frente e para trás.

Victor:
_Lu, fiz um sanduíche, você tem que comer.

  Como uma criança, ela negou com a cabeça.

Jenifer: _Lucy, se você não comer não vai ter condições que acompanhar nada do velório da sua mãe. Coma ao menos um pedaço.

   Ainda agarrada a Gabriela, ela apenas baixou a cabeça. Victor tomou a filha dos seus braços e tocou-lhe a mão, conseguindo o olhar dela para ele:

_Pela nossa filha que você carrega aí dentro, tenta comer. Lembre-se que tudo será para ela, se você adoecer, ela quem vai sofrer. Por favor.

   Luciana olhou para a barriga, lembrou-se do quarto decorado que Geovana ajudara. As lagrimas caiam involuntariamente, queria gritar, chorar, mas não tinha forças. Com a cabeça baixa, pegou o prato e arriscou algumas mordidas apenas para eles pararem de insistir tanto. Triste, subiu para o quarto e logo se deitou, agora tinha Victor de volta lhe chamando de “Amor”, mas não tinha sua mãe para celebrar com um “Bem que eu te disse Lucy! Ele voltou para você!”.

_Acabei de falar com Leo, ele mandou os pêsames.
– Victor voltou para o quarto sentou-se próximo a ela. – Agora você terá que ser forte, Lu. Eu vou estar aqui para o que der e vier.

   Ela apenas assentiu e logo se deitou de costas para ele, só dormindo para esquecer que tinha tantos problemas. Acordou no meio da madrugada ouvindo sua própria voz que gritava, sentada na cama, chorando e sentindo Victor acordar em seguida e ligar o abajur para apenas abraçar-lhe forte:

_Estou aqui, Lu. Shhhh
– Alisava suas costas.
_EU QUERO ELA DE VOLTA, VICTOR!

   Chorava alto, urrando de dor e Victor apenas a apertava em seus braços.

   Acordou pela manhã olhando para a janela, a chuva estava forte. Uma ultima lagrima caiu, ela prontamente limpou. Virou-se na cama e não viu Victor, entrou em pânico! Mas logo se acalmou porque ele entrava com uma bandeja repleta.

_Hoje você terá que comer, Lu.

   Ela arriscou comer algumas torradas, bebeu um pouco do café na xícara, tudo aos olhos atentos dele.

_Se você não se sentir a vontade para ir ao enterro, ficamos aqui.

   Sem falar nada, Luciana levantou-se e foi ao banheiro, aquela água saindo do chuveiro a deixou mais relaxada. Voltou um pouco mais confortada e calma. Agora, observava Victor dirigir e sentiu-se egoísta por naquele momento estar feliz por ver ele ali e não estar com os pensamentos na sua mãe:

_Eu disse que a amava.
– Sussurrou.

   Quase que Victor batia no veículo da frente ao ouvir a voz de Luciana, olhou para ela após frear bruscamente e fez um meio sorriso.

_O que importa é que você falou em vida. Sua Mãe está tranqüila aonde quer que esteja, acredite.

    Em seu pensamento estava mais confortável, segura, iria ter forças para encarar tudo aquilo e logo voltar para sua vida e imaginar que sua mãe estava viajando e que logo iria voltar a lhe telefonar. Os carros já estavam indo para o cemitério e ela logo sentiu aquela segurança ir embora. Era duro ter que encarar a realidade de que sua mãe morrera e que agora todos aqueles carros estavam se encaminhando para o local onde seria o ultimo adeus a Geovana.

   Ficou um pouco atrás com Victor que estava com o braço no seu ombro, deixando várias pessoas irem na frente, cantando algumas musicas católicas, com seus terços e lagrimas acompanhando. Todos a sua frente pararam de andar e foi ali que a chuva aumentou o ritmo, alguém puxou sua mão para se aproximar do caixão, fazendo-a olhar rapidamente para Victor, que lhe passou segurança:

_Vá, dê seu ultimo adeus a ela.

    A realidade estava próxima, ela não queria aceitar, não queria ver seu Pai naquele estado, debaixo de chuva, as lagrimas se misturando as gotas de água que caiam em seu rosto. Não estava preparada para aquilo, só pode perceber ali, mas se aproximou de Lucas e obviamente do caixão que fora aberto rapidamente para as despedidas. Aquele choro que estava preso em sua garganta veio forte quando ela tocou naquele corpo frio e pálido entre as flores e a renda do caixão. Agachou-se para beijar a testa de Geovana:

_Alguém tem que te aquecer, você está fria.
– Sussurrou entre o choro. – Você não pode ir, Mãe. Volta pra mim e me ajuda porque está doendo muito. – Voltou a soluçar.
_Minha filha, temos que ser forte nesse momento.
– Lucas abraçou-a de lado. – Ela estará nos vendo onde quer que esteja.
_NÃO!
– Olhou para o Pai – EU NÃO ADMITO ISSO! – voltou o olhar para o caixão – VOLTA MÃE! POR FAVOR.

    Alguém a puxou pela cintura, estavam fechando o caixão. Luciana gritava de dor e de desespero querendo voltar e tirar sua mãe dali. Dor maior foi ver aquele caixão descendo dentro daquele buraco, o grito foi maior. Sentiu Victor abraçar-lhe e esconder o seu rosto no peito para não ver aquilo, essa foi a ultima cena em sua mente porque desmaiou.

   A claridade do quarto incomodou seus olhos quando os abriu, Victor estava segurando-lhe a mão, apertando forte. Achou que tudo o que passara foi um pesadelo, um sonho ruim e logo a faria voltar a sorrir, mas olhou para ele que nem sequer tirou a roupa molhada da chuva que tomou naquele cemitério para socorrer o suplico da esposa.

_Que bom que acordou. Sente-se melhor?

   Xingou o marido mentalmente, como alguém faria uma pergunta daquelas? Tinha acabado de enterrar a mãe. Sentindo-se um pouco tonta desceu as escadas ouvindo Lucas conversar com alguns familiares...

_... Edema pulmonar por causa da Cardiomiopatia Hipertrófica.
– Viu seu pai sentar-se no sofá com o olhar perdido.
_Ainda culpo Geovana por não ter falado para ninguém. – Marta soluçou
_Ela não queria nos preocupar, Marta. Não a culpo, mas só agora pude entender essa mudança repentina dela nesse ultimo ano.

   Desistiu de ficar na sala, voltando para o quarto e encontrando Victor que já estava indo em sua direção. Estava trocado de roupa e abraçou-a de repente. Era disso que ela precisava, do carinho para suprir o que Geovana lhe dera nesses últimos oito meses.

_Terei que ir pra Uberlândia. Você quer ficar aqui com seu Pai?

   Era doloroso para Luciana, mas não queria ficar naquela casa nem naquela cidade onde tudo lembrasse sua mãe. Negou com a cabeça e viu Victor descer. Enquanto fazia sua mala e a da filha, Joyce apareceu, abraçando-a.

_Lucy, eu vou ficar aqui. Seu Pai precisa de mim e das outras empregadas. Lá em Uberlândia você terá o Victor e a Lourdes, por isso estou mais calma.

   Não obtendo respostas de Luciana, ela retirou-se e deixou-a sozinha ali. Desceu a escada e o que mais odiava, ali estava: Todos lhe olhando com pena, como se ela fosse uma coitada. Ignorou os olhares e foi abraçar o Pai. Juntos, choraram a dor da perda, mas ela sentiu nesse abraço, que Lucas estava mais seguro.

_Victor me disse que irá te levar. Pode ir Lu, acho que quando der eu vou te visitar. Se você ficar aqui vai entrar logo em depressão e isso eu não quero. Apenas lembre-se dos momentos bons que passou com sua mãe.
– Sorriu – Ela estava tão radiante em te ver assim, feliz na vida. – Beijou o topo da cabeça dela – Agora vá e quando precisar de mim, ligue.

   Mais uma vez abraçou o Pai e ao lado da sua família – Victor com Gabriela no colo – Voltou para Uberlândia.    

Continua...

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