quarta-feira, 9 de julho de 2014

Cap. 18



   Luciana estava pondo seu jaleco, na sua mente ensaiava as falas para conseguir convencer Michael de que não iria viajar. Fechou seu armário e caminhou lentamente pelos corredores do hospital, cabisbaixa, pensativa e assim ficou por horas no plantão até ele chegar.

_Michael, podemos conversar um minuto?
_Claro Lucy, vem na minha sala.

   Foi acompanhando-o, durante o caminho apenas assentia com a cabeça as coisas que ele falava sobre o plantão e alguns médicos. Estando a sós e a vontade para falar, Luciana criou forças dentro de si. Detestava dizer não a alguém, sempre fora assim.

_Pode falar Lucy.
_Michael... Eu estou grávida.

   Surgiu um riso fraco vindo do colega de profissão. Para Michael, isso era a prova concreta de que Luciana estava feliz no casamento, esbanjando felicidade; bom para ela, ruim para ele.

_Poxa, parabéns Luciana.
_Acontece que... Michael, na minha lua de mel eu me senti mal e tive que ser atendida lá em Veneza. Bom, a doutora disse que mais um pouco e eu sofreria de aborto espontâneo. Enfim, minha gestação é de risco.
_Nossa, que tenso isso Lucy.

   O silencio durou alguns segundos, ela tinha que criar coragem e pedir a ele:

_Michael, eu quero cancelar minha viagem para os estudos que o hospital me forneceu.

  A expressão de Michael mudou, ficou um pouco sério, triste.

_Eu gostaria muito de te ajudar nessa, mas agora é tarde demais pra você fazer esse pedido, Lucy. Já enviamos todos os dados dos médicos que farão esse curso, até seu passaporte resolvemos. Eu sinto muito.
_Michael, minha gravidez é de risco, eu não posso viajar assim.
_Você está de quantos meses?
_Dois e meio.
_Daqui pra lá você tem saído da zona de risco. Nós dois somos médicos obstetras e sabemos disso. Desculpa Lucy, mas dessa vez irei negar teu pedido.

   Luciana engoliu a saliva, segurando-se para não chorar ali mesmo. Com a cabeça fez um gesto afirmativo, pediu licença e se retirou dali, indo rapidamente para o banheiro, estando dentro dele deu vazão ao choro e em seus pensamentos imaginava a grande confusão que seria sua vida. Estava com medo do que o destino lhe reservava.

   Procurou esquecer dos seus problemas enquanto atendia algumas pacientes, a noite recebeu a ligação de Victor; não queria atender, mas aquela já era a segunda chamada da noite não atendida, criou forças dentro de si e atendeu:

_Oi amor.
_Está podendo falar?
_Sim, estou na minha sala.
_Que voz é essa?
_Cansaço.
_Só isso? Tem certeza?
_Sim, eu tenho
– Respondeu impaciente. – Desculpa, sintomas de gravidez.
_Como está nosso filho?
_Bem, hoje fiquei um pouco enjoada, mas nada tão grave.
_Falou com o seu chefe?

   Ficou muda, não tinha coragem de dizer a ele por telefone:

_Não, ele só aparece amanhã.
_Não esquece de dizer, Lu.
_Pode deixar. E você, como está?
_Cansado, com saudades das duas mulheres da minha vida.
_A Gabi hoje acordou um pouco triste, Joyce me ligou. Deve ser saudade mesmo.
_Então espere, amanhã estarei aí. Infelizmente será no fim da tarde, temos alguns compromissos.
_Tudo bem.
– Ouviu seu nome ser pronunciado pelos corredores – Amor, eu tenho que desligar, estão me chamando.
_Vai lá meu anjo, bom trabalho.
_Obrigada.
– Estava desligando quando Victor chamou-a mais uma vez. – Pode falar
_Beijos infinitos na sua boca.

   Sorriu de lado e desligou, a cada dia estava amando-o mais e mais, já não sabia o que fazer sem ele do seu lado.

   Pela manhã, estava finalizando seu plantão quando recebeu uma mensagem no celular:

Vih: “Amor, não esquece de falar com seu chefe. Te amo. VC.”

   Respirou fundo, aquele auê todo em sua vida estava apenas começando. Voltando para casa ela refletiu o quanto seria doloroso passar aqueles meses longe de Victor, mais uma vez ele não iria acompanhar cem por cento a gestação de Luciana. Passou as mãos nas têmporas, fazendo massagem a fim de aliviar toda aquela tensão e dor que estava lhe causando na cabeça. Chegou em casa e fez um pouco de carinho na sua filha que estava brincando no jardim com Joyce e em seguida foi até a cozinha, bebeu um copo com água pensativa, Lourdes aproximou-se:

_Está pensativa, cansada. Quer conversar?
_Eu preciso de um conselho seu.
_Estou aqui.
_Terei que dar uma péssima noticia a Victor, só não sei como falar.
_É sobre a sua viagem?
_Ele te disse algo?
_Não. Mas eu senti.

  Quase que Luciana derrubava o copo que estava em suas mãos.

_Luciana
– Segurou as duas mãos dela – Você tem que fazer essa viagem.
_Lourdes, eu estou grávida, vai ser difícil.
_Difícil sim, impossível não. Você tem que deixar algumas coisas acontecerem na sua vida livremente.

  Aquele assunto estava assustando Luciana.

_Onde você quer chegar?
_Vou lhe dizer uma coisa: Gabriela precisa ter mais contato com alguém, esse alguém vai precisar dela antes de partir.
_Do que você está falando?
– A voz estava ficando falha. Sua pele pálida.
_Estou falando da partida. Apenas deixe o destino seguir, ele sabe o que faz conosco.

   A empregada saiu e foi olhar as panelas no fogão. Luciana ficou ali, parada, assustada com tudo o que acabara de ouvir; subiu para o quarto e deitou-se na cama.

_Partida... Com o que ela quis dizer isso? Quem? Essa Lourdes é uma louca.

   Pela tarde recebeu a visita de Paula, Tatianna e Marisa. Gabriela não desgrudou das tias que não paravam de mimá-la:

Luciana: _Desse jeito sou eu que vou sofrer. Sempre que vocês vão embora, ela fica com birra.
Tatianna: _Essa é a melhor fase de uma criança, Lucy.
Marisa: _E você, Tati. Não pensa em me dar mais netos?

    Tatianna baixou a cabeça, estava triste. Luciana percebendo o clima interrompeu-o:

_Por enquanto a Tatianna está na melhor fase: Ficar tentando e ensaiando sempre quando o Leo vem pra cidade.

   Todas riram e Tatianna sorriu levemente, A tarde estava boa e tranqüila quando Victor chegou acompanhado de Leo. Após muitos abraços e alegrias, todos sentaram no jardim:

Marisa: _É assim que gosto, família reunida e feliz.
Victor: _Nem sempre isso acontece. O Leo tem discutido muito comigo nessas ultimas viagens. – Todos riram
Leo: _Porque você é cabeça dura, só faz o que quer.
Luciana: _Quem olha assim para vocês jura que são dois adolescentes.

   Aquela reunião em família estendeu-se até a noite, após o jantar, todos se foram e Luciana foi colocar sua pequena Gabriela para dormir. Enquanto via sua filha ali deitada, lembrou-se de que tinha que falar com Victor, talvez ele se estressasse, mas seria algo relevante, o importante era saber que ela faria aquela viagem.

   Foi para o quarto e aproveitou para tomar uma ducha tranquilamente, aquela água estava relaxando-a e ficou ali por alguns minutos, apenas com os olhos fechados, esquecendo do mundo e sentindo seu corpo ganhar mais vida. Colocou uma camisola e foi atrás do marido, ele estava na sala de violão, no seu mini studio. Respirou fundo, bateu de leve, recebendo autorização para adentrar, chegou em passos lentos e Victor ainda estava com o violão, um bloco de papel em cima da mesa, ensaiando alguma musica que acabara de compor. Ergueu o olhar e com um sorriso encantador, convidou-a para sentar em seu colo enquanto colocava o instrumento no canto. Aquelas mãos sobre seu corpo, faziam Luciana esquecer de qualquer problema ou assunto a ser resolvido, envolveu-o com um beijo calmo, suas mãos entrelaçavam na nuca, acariciando aquela região, as línguas sincronizavam perfeitamente.

_Como você consegue ficar trabalhando em plena folga?
_Porque quando a letra surge na nossa cabeça, temos que ir correndo anotá-la. Vida de musico, Luciana. Você já devia estar acostumada.
_Eu sei disso.
– Respirou fundo.
_Mas me diz, conseguiu conversar com seu chefe?

   Ficou pensativa, não sabia nem como começar, já previa a briga que seria em breve:

_Então Victor, eu conversei com ele sim.
_Ufa! Ainda bem, agora poderei ter você por perto, acompanhar a sua gestação.
– Envolveu os braços na cintura dela, beijando o pescoço.
_Não Victor. Ele... Não pode cancelar minha viagem.

   Victor ficou encarando Luciana por alguns segundos, sua fúria só aumentava a cada momento:

_Espera, sua gravidez é de risco...
_Eu tentei convencê-lo de que estava em risco mas ele sabe que depois de três meses eu estarei bem e daqui a duas semanas passo dessa zona de perigo. Enfim, ele negou o meu pedido porque já deu entrada no meu passaporte, já mandou os nomes dos médicos que irão.

   Em gesto brusco, Victor empurrou Luciana, que ficou em pé o encarando, sem entender muito do que se passava ali.

_Pede demissão. Sai já desse emprego.
_Você fala como se uma vaga de emprego em hospital cai como gotas de água da chuva né, Victor? Enlouqueceu?
_Ainda não estou tão louco quanto você que está cega!
– Alterou a voz – Você está esquecendo que tem uma vidaFILHO E MARIDO PRA CUIDAR, LUCIANA! ACORDA ENQUANTO É TEMPO!
_NÃO ESTOU CEGA, APENAS NÃO QUERO SOBREVIVER AS SUAS CUSTAS. TAMBÉM NÃO VOU PEDIR DEMISSÃO, ESTOU BEM ALI.
_ESTÁ TÃO BEM QUE ATÉ ESQUECE QUE TEM UMA CASA PRA CUIDAR. ÀS VEZES ACHO QUE VOCÊ NÃO AMA AS PESSOAS QUE SÓ TE QUEREM BEM.
_QUERER BEM É ISSO? QUE EU SAIA DE UM EMPREGO POR CAUSA DE UMA DROGA DE VIAGEM? VICTOR, ELES ESTÃO ME AJUDANDO PORQUE PERDI VÁRIOS CONGRESSOS. PARA DE EGOISMO, PENSE NA MINHA VIDA TAMBÉM.

   Luciana sentou-se na outra cadeira e começou a chorar compulsivamente, não enxergava um palmo a sua frente. Victor andava de um lado para o outro, passando as mãos no cabelo, visivelmente impaciente. Queria achar uma solução sem partir para confusão, porém, estava ficando difícil. 

_Por acaso gostaria que eu exigisse que você parasse de viajar para ter mais momento comigo? – A voz dela estava falha, rouca depois de tanto gritar e o choro vir em seguida. – Apenas pense nisso, Victor. Só quero ser feliz e a medicina sempre foi isso para mim.

   Ainda calado, Victor aproximou-se da mesa, esmurrando-a com tamanha raiva. Luciana sobressaltou assustada.

_E você pensa em mim, Luciana? Pensa na nossa filha que ficará sozinha?
– Mais uma vez alterou a voz
_Sempre pensei em vocês.
_MENTIRA!
_Não grita, por favor.
– Voltou a chorar com as mãos na cabeça.

   Foi nesse momento, que Victor lembrou-se da gravidez de risco de Luciana. Se a discussão piorasse, ela iria perder aquele bebê.

_Me deixa só, Luciana.
_Não, precisamos conversar.
_Você já tomou sua decisão. Peço que se retire.

   Não ousou em olhar para ela, voltou a sentar-se enquanto ouvia a porta ser fechada. Estava chateado, tinha feito planos e agora por opção de Luciana, mais uma vez perderia boa parte da gestação dela.

Continua...

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