quinta-feira, 17 de julho de 2014

Cap. 22


   Com os raios de sol invadindo o quarto pela janela, Luciana abriu os olhos. Justamente naquela manhã, estava com vontade de permanecer ali, na cama, longe de tudo e de todos que ela amava e lhe machucavam. Olhou para o lado onde Victor dormia, estava vazio e assim permaneceu a noite inteira. Foi preciso o acontecimento daquela madrugada, para ela cair na real de que seu casamento estava sim em crise.

   Controlando os enjôos, fez sua higiene e desceu as escadas, deduziu que Victor não estivesse na casa. Trocou apenas algumas palavras com a empregada, Joyce também percebera o clima e foi para o jardim brincar com Gabriela. Luciana subiu e enquanto aquela água do chuveiro caia em seu corpo, refletiu os últimos acontecimentos. Não estava indo nada bem, por mais que diante dos outros, ambos colocassem uma mascara, era ali no dia a dia que as coisas estavam se tornando difíceis, teriam que ter uma conversa e não poderiam adiar mais. Enquanto procurava sua roupa, ouviu a voz dele, aquela voz mais que perfeita, agora lhe mostrava um tom sério:

_Luciana, tem um minuto?
_Sim, vou me trocar.
_Te espero no quarto.

    Ele saiu e com esse dialogo, Luciana sentiu que nada entre eles estava bem, se antes dava para esconder, agora, não conseguiam mais, uma parede invisível separava ambos. Em outros tempos, como uma boa reconciliação, Victor já estava observando-a trocar de roupa e logo tomando seus lábios. Agora ela teria que ter os pés no chão e reconhecer que não eram mais um casal de jovens adolescentes, eram casados e tinham uma filha e muitos problemas para resolver. Após trocar-se, Luciana foi até o quarto, achando um Victor bastante sério, pensativo, sentado na cama, encostado na cabeceira da mesma. Sentou-se do lado dele, cabisbaixa.

_O que está acontecendo conosco, Luciana?

   Ergueu o rosto, mas não para encará-lo, ficou observando um ponto invisível no quarto e se perguntando: “Onde foi que eu errei?”

_Não sei, Victor. Existe algo estranho acontecendo entre nós dois.

   Ele limpou a garganta para sua voz sair mais clara e direta:

_Ontem eu excedi na bebida, me exaltei com você. Mas sabe o que é pior? É que eu não menti e nem falei aquilo tudo da boca pra fora. Eu queria desabafar, Luciana. Queria soltar tudo o que estava preso em minha garganta.

    Aquilo foi um choque para Luciana. Ele apenas estava sendo sincero, ela teria que entender isso. 

_Se fosse para falar, não precisava gritar nem chegar ao ponto em que chegamos dentro do jatinho.
_Eu errei quanto a isso, não posso ficar gritando com você. Não quero mais discussões, mas acho que você não pode ficar se metendo na minha vida profissional. O que você fez ontem foi errado, tomar atitudes por mim, acha certo?
_Victor, eu ouvi algumas fãs que estavam ali antes de entrarem no camarim. Muitas vieram de cidades vizinhas, estados vizinhos. Acha justo o que você iria fazer?
– Encarou-o
_Fiquei com receio de não conseguir dar atenção a todas.
_Mas conseguiu.
_E se eu não conseguisse?
– Arqueou a sobrancelha.
_Eu sabia que conseguiria. Jamais iria tomar uma atitude louca e te colocar em risco.

   A conversa estava calma e tensa, agora como dois adultos, cada um se fechou em seu mundo de pensamentos. Victor, queria arranjar um jeito de não chegarem ao limite extremo e pedir divorcio; Luciana, só queria que tudo se resolvesse.

_Está ficando difícil, Luciana.
– Baixou a cabeça – Estamos brigando muito.
_Não temos mais idade para viver nessa guerrinha. Eu acredito que tudo isso seja uma pequena turbulência e que logo iremos nos acertar.
_Então você vai prometer que nunca mais irá se meter em meus assuntos profissionais.
_E você me promete que não vai mais falar da minha viagem.
_Eu não falo mais nada, deixei de lado esse assunto.
– Encostou a cabeça na cabeceira.

   Mais uma vez o silencio ganhou, após alguns segundos, Luciana olhou para Victor, seus olhos tinham lagrimas prestes a cair.

_Vih
– Sussurrou com sua voz embargada.
_Fala
– Olhou para ela.
_Você quer o divorcio mesmo?

   Ele sorriu fraco. Ainda não sabia o porquê Luciana mexia tanto consigo e naquele momento, a vontade de abraçá-la, colocá-la em seu colo e mimar por horas seguidas, estava grande, mas ela teria que ter um “castigo”.

_Não, Lu. Nos casamos recentemente. Acredito no nosso amor e que isso é só uma crise.
_Tudo bem.
– Levantou-se – Tenho que pegar minhas coisas para ir trabalhar.
_Ok.
– Levantou-se também – Eu vou tomar um banho para ir viajar.
_Dormiu onde?
_No quarto de hospedes.

   Fingindo não se preocupar com Luciana, Victor foi para o banheiro, ignorando-a definitivamente. Ela estava sentindo toda essa frieza e entre lagrimas recolheu sua bolsa, alguns pertences e foi embora para o hospital. 


***

   Todos os dias em que Victor estava viajando, Luciana sentia e muito. Preferiu focar no trabalho e em algumas coisas que faltavam. Depois da conversa, não tiveram contato algum e nessa brincadeira, já estavam três dias seguidos sem trocar palavras por meio de qualquer comunicação.


***

Victor recebera uma ligação, Lourdes estava aflita, sua voz ofegante:

_Vitor, você precisa voltar para Uberlândia.
_Lourdes calma. – Ligou o abajur. – O que houve?
_Luciana... Ela está nos deixando.
_Como assim? Ela vai para São Paulo?
_Não... – Respirou fundo. – Ela está nas ultimas. Vitor, ela vai nos deixar.

Um baque forte atingiu o peito de Victor. Seus olhos formaram lagrimas que corriam livremente, seu grande amor estava lhe deixando. Morte, algo que lhe arrepiava, agora estava sendo uma tortura para seu coração. Em sua mente vários obstáculos apareciam: Como seria sua vida a partir daquele dia? Gabriela, como ficaria? Sua vida longe de Luciana... Já se imaginava cometendo tamanha loucura. Quanto mais enxugava seu rosto, mais lagrimas desciam...






    Acordou suado, o coração batendo descompassado, a respiração ofegante... Tudo não passara de um pesadelo. Ficou alguns segundos ali, encarando o teto na escuridão daquele quarto de hotel, uma secura súbita surgiu em sua boca e tudo o que ele queria agora era saber se ela estava bem. Discou o numero do celular, chamou algumas vezes e por fim, atendeu:

_Victor?

   A voz dela nunca fora tão gostosa de ouvir.

_Lu, está tudo bem por aí?
_Eu que pergunto... Por aí está tudo bem? Me ligou a essa hora.
_Pensei que estivesse no plantão do hospital.
_E estou.
– Entrou na sala – Como você está?
_Agora posso dizer que estou bem.
– Abriu um sorriso largo.
_Você está estranho.
_Não é nada. Estou te atrapalhando em algo?
_Não, o plantão está tranqüilo. Por quê?
_Ah, queria ficar conversando com você como sempre fazíamos.

   Luciana sentia que Victor estava mais amável.

_Tudo bem. Volta quando?
_Amanhã. Estou com saudades.
_Mesmo depois daquela nossa conversa?
_Sim. Vamos esquecer, agora temos poucos dias para aproveitarmos.
_Hoje você está estranho, mas não estou com a mínima paciência pra saber o porquê.
– Ouviu o riso do outro lado da linha.

    Continuaram conversando sobre coisas banais, como nos velhos tempos, tiveram que se despedir com um dos médicos chamando Luciana.

   Victor estava contando as horas para chegar em Uberlândia, ainda não estava acreditando que poderia ver Luciana, abraçá-la e fazer tudo se tornar diferente. Chegou em casa e não perdeu muito tempo, colocou a mala no closet e foi até o hospital, se identificou e logo a recepcionista o encaminhou para a sala de espera. Estava ansioso para olhar para ela, andava de um lado para o outro, logo percebeu que era ela quando se aproximava com o rosto assustado.

_O que você tá fazendo aqui, Victor?
– Puxou-o pela mão – Venha, vamos para minha sala.

    Entrando, sentaram no sofá, ela ainda persistia em fazer uma expressão assustada em seu rosto.

_Fala logo o que aconteceu, foi a Gabi?
_Não. Estão todos bem. Eu vim te visitar, precisava te ver.

   Irritada, Luciana levantou-se, ele foi junto.

_Porra Victor! Que susto. Pensei que tivesse acontecido algo.

    Ele sorriu e abraçou-a fortemente, inalando o perfume dela misturado com o cheiro cítrico do shampoo que usava.

_Você está estranho
– Afastou-se dele dando um passo para trás.
_Eu só quero aproveitar o tempo que tenho com você. – Aproximou-se mais dela, tocando-lhe os lábios com dedo indicador. – Estou com saudades dos teus beijos.

    Algo estranho aconteceu com Luciana, o corpo respondeu, agora tremia da cabeça aos pés, sentia excitada, mais viva, mais nervosa diante da presença do seu esposo, aquele por quem sempre compartilhou coisas do cotidiano. Victor também sentira algo estranho, agora suas mãos passavam pela cintura, agarrando-a com força e guiando-a para a mesa, ele queria tanto quanto ela. As bocas se aproximaram e um beijo meio desajeitado aconteceu, as línguas moviam-se com pressa, tudo estava bem, mas não para ela. Ali era seu local de trabalho, empurrou-o de leve:

_Qual é, Morena? Vamos continuar
_Não podemos Vih, aqui é meu local de trabalho.
_Você sabe que eu sempre quis fazer uma loucura dessa...
– Sussurrou no ouvido dela – Transar na sua sala médica.
_Mas aqui não é a minha sala da clinica, aqui é meu local de trabalho Victor. Alguém pode nos pegar no flagra.
_Tudo bem
– Afastou-se dela – Eu me rendo. – Foi até a porta. – Nos vemos mais tarde?
_Sim.
– Ajeitou o cabelo, fazendo um coque frouxo.
_Te amo.
– Piscou para ela e saiu.


    Não sabia o que dera em Victor, mas ela estava amando esse jeito dele. Ao vê-lo fechando a porta sorriu debilmente e ficou alguns minutos se recompondo. Voltou para seu trabalho e algumas horas depois já estava livre, não esquecendo de passar rapidamente na clinica e por fim, ir para casa.

    Estava muito cansada e em sua mente algo a perturbava, Victor mudara muito e isso só fazia ter esperança de que seu relacionamento iria ficar bem. Procurou pelos cômodos da casa por ele e sua filha, Lourdes estava na lavanderia.

_Lourdes, onde está Victor e Gabi?
_Victor foi para o escritório, levou a filha para dar um passeio.

    Subiu para o quarto e tomou uma ducha para tirar todo aquele cansaço, antes do almoço ele chegou com um sorriso perfeito e permaneceu ao vê-la. Abraçou-a fortemente, beijando-lhe de um jeito carinhoso:

_Tudo bem?
_Tudo sim
– Juntou as sobrancelhas fazendo uma expressão confusa em seu rosto.

   Toda a refeição ela ficou calada, tentando entender aquela mudança repentina; Victor sorria, conversava com todos ali, algumas vezes segurava-lhe a mão, beijando-a.

_Vai fazer algo essa tarde?
– Perguntou para ela.
_Vou a clinica, algumas pacientes marcaram para hoje.

    Enquanto Luciana subia as escadas, ouvia um ecoar guiando-a, não precisou olhar para trás para saber que era ele acompanhando-a.

_Posso te levar para a clinica?
– Mordeu o próprio lábio inferior de uma maneira sapeca.
_Oi?
– Estranhou. – Nem ouse em querer transar comigo na minha sala, hoje estou com muitas pacientes para atender.

   Ouviu-o rir fraco e abraçá-la por trás.

_Fica calma Senhora Chaves, apenas quero ser seu motorista essa tarde, posso?

    Agradeceu interiormente a ele por fazer isso, estava muito cansada. Durante o percurso, olhava sempre para ele que estava atento no transito, com olhos semicerrado, bastante concentrado; percebeu o olhar dela ao chegarem no destino desejado.

_O que foi?
_Hoje você está estranho Victor.
_Você já me falou várias vezes hoje. Mais tarde conversamos. Agora sai do meu veículo
– Apontou com a cabeça para a rua com um sorriso nos lábios.
_Bobo.
– Beijou-lhe rapidamente e se retirou do carro.

    Aquela tarde fora muito corrida, estava muito ocupada para pensar na mudança de Victor. No fim do expediente, enquanto ele não chegava, algo lhe passou pela cabeça: E se ele estivesse enchendo-a de mimos para no fim pedir a separação? Sua vista escureceu e sentou-se no sofá, teria que se recompor, o amava, mas será que esse sentimento era recíproco?

_Doutora, vou nessa... Lucy, o que você tem?
– Ajoelhou-se diante dela.
_Estou bem, Raquel, pode ir embora.
_Não, só saio depois que me dizer que está bem.
_Estou bem, foi só um enjôo. Pode ir.
_Qualquer coisa me liga que eu volto correndo.
_Tudo bem.

    Assim que ouviu o ecoar dos saltos da recepcionista se distanciando, encostou a cabeça por completo e voltou a pensar. Não se imaginava longe dele, não nessa situação, separados. Reconhecera que errara em algumas atitudes, mas quem não erra na vida? Todos merecem uma segunda chance...

_Lu?

  A voz dele acordou-a do transe e da turbulência que estava em sua cabeça, aos poucos abriu os olhos e o viu ali, com Gabriela nos braços.

_Está tudo bem?
– Aproximou-se dela.
_Sim.
– Sua voz saiu falha. Levantou-se pegando sua filha nos braços. – E essa boneca veio me buscar?
_É, me viu saindo de casa e começou a chorar.
_E você fez os gostos dela?
_Ah,
– Sorriu – Filhos são assim, né?
_Segura ela, vou pegar minha bolsa e fechar a sala.
_Te espero no carro. Pode ser?
_Sim.

   Agora estava mais forte, algo a fortalecia por dentro. Foi para o carro e só assim pode perceber que o céu já ganhara seu tom escuro, a noite se iniciara. Mais uma vez Victor permaneceu calado enquanto dirigia, olhou rapidamente para ela, queria dizer algo, ela estava com receio de ouvir. Medo, era essa a palavra, medo de perdê-lo.

_Estive pensando
– Iniciou a conversa. – Topa ir comigo a fazenda?
_Hoje?
– Recebeu como resposta ele balançando a cabeça, um gesto afirmativo. – Tudo bem, passa em casa e pegamos as coisas...
_Não. Eu quero agora, sem passar em casa. Vamos direto, um pouco de loucura sempre é bom.

   Desviando o caminho ele pegou a estrada rumo a Hortense, agora ligava o som e através da janela já podia ouvir os grilos cantando na estrada. Era isso o que Victor sempre buscou, uma calmaria, alguém do seu lado para amá-lo e juntos serem felizes.

  Desceram do carro e o caseiro logo o chamou para conversar.

_Amor, leva a Gabi.
– A filha dormia lindamente e estava em seu braço, com a cabeça na curva do pescoço.

   Enquanto Luciana colocava a filha no berço, sentia uma calmaria tomar conta daquele ambiente. Estava tudo dando certo, ele já a chamava de Amor. Passou a mão nos cabelos da filha enquanto ela dormia, sua pequenina que agora tinha um castanho na tonalidade do cabelo, os olhos puxados, tudo lembrando Victor. Sorriu, beijou a cabeça de Gabriela e saiu do quarto, procurando por ele que estava na cozinha, bebericando o café, a esposa do caseiro lhe explicando algo, talvez acrescentando o que o caseiro momento antes estava dizendo a Victor. Aproximou-se dele, abraçando-o por trás.

_Vem, vamos dar uma volta.

    Em passos lentos caminhavam até a piscina, um silencio chato e incomodo tomava conta, Luciana o quebrou:

_Porque está me tratando tão bem, Victor?

   Percebeu que a expressão do rosto dele mudara, agora estava confuso.

_Ah, quero deixar de lado esse clima entre nós.
_Sabemos que não é assim que vai dar certo. Ou conversamos como dois adultos ou eu não quero nem imaginar.
– Parou de frente para a piscina – Se toda vez que brigarmos deixar pra lá, vai se formar uma bola de problemas e logo vai se tornar gigante ao ponto de não sabermos lidar com isso.

   Victor soltou o ar que estava preso em seus pulmões:

_Eu vim hoje para descansar. Vamos deixar isso para amanhã.
_Não vou conseguir esperar. Diga-me Victor, você ainda quer a separação?

   Sua voz tremula, seu coração já batia descompassado. Fora algo que saíra involuntariamente e que agora, ela se arrependera, não queria ouvir a resposta. 

Continua... 

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